Maternidades
e pandemia no Brasil: um olhar
sobre os sentidos
de
maternagem nas mídias online
Maternities and the pandemic in Brazil: a look at the meanings of
mothering in online media
Kalliandra Conrad |
Milena Freire de Oliveira-Cruz |
Isadora Severo |
Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Brasil |
Universidade Federal de Santa Maria
– Brasil |
Universidade Federal de Santa Maria
– Brasil |
Recibido: 15-03-2023
Aceptado: 05-06 -2023
Resumo
Este texto busca analisar, a partir de 8 matérias,
as práticas sociais de
maternagem e as representações de maternidade
produzidas pelos discursos das mídias online no Brasil, no contexto da
pandemia de COVID-19. Partimos da abordagem
teórico-metodológica da Análise de Discurso Crítica,
na perspectiva de Fairclough (2016) e utilizamos a categoria analítica de intertextualidade.
Por meio das palavras-chave
“mãe” e “pandemia”, identificamos as seguintes posições de sujeito-mãe no discurso das mídias online: a) mães superpoderosas;
b) mães trabalhadoras e; c)
mães exaustas.
Palavras-chave: maternidade, discurso, mídia,
pandemia.
Abstract
This text seeks to analyze, from 8 subjects, the
social practices of mothering and the representations of motherhood produced by
online media discourses in Brazil, in the context of the COVID-19 pandemic. We
start from the theoretical-methodological approach of Critical Discourse
Analysis, from the perspective of Fairclough (2016) and use the analytical
category of intertextuality. Through the keywords “mother” and “pandemic”, we
identified the following subject-mother positions in the discourse of online
media: a) super-powerful mothers; b) working mothers and; c) exhausted mothers.
Keywords: motherhood, speech, media, pandemic.
1. Introdução
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde anunciou que o mundo vivia uma pandemia, tendo em vista os altos índices de contaminação
e rápida disseminação da Covid-19. No Brasil, ainda que de forma controversa e sem uma política do Governo Federal bem definida[1], o
país adotou o distanciamento
social como principal forma de conter a propagação do vírus. Vários setores assumiram a linha de frente no
combate à pandemia, sendo reconhecidos
pela população, pelos governos
e pela mídia: profissionais de saúde,
segurança, transporte e outros
serviços essenciais.
Considerando
a necessidade da maior
parte da população de manter-se
em casa e de adaptar suas rotinas no ambiente doméstico, o trabalho
relacionado ao cuidado tornou-se
ainda mais fundamental. Numa escala ampliada, a importância
que esse cuidado tem para a
superação dos desafios a serem enfrentados pela sociedade
como um todo no período pandêmico,
levou Andrea O'Reilly
(2020) a reivindicar que as mães sejam
reconhecidas como atuantes
na linha de frente no enfrentamento
à pandemia. Esse papel, contudo,
tem sido negligenciado -
especialmente por ser naturalizado e circunscrito no âmbito
doméstico.
A dificuldade enfrentada pelas mulheres
em conciliar trabalho
remunerado, doméstico e maternagem é anterior à pandemia. Um
estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística[2]
(IBGE), em 2019, mostra
que, no país, as mulheres dedicam
em média 21,4 horas ao trabalho do cuidado e afazeres domésticos, enquanto os homens dedicam 11 horas para a mesma finalidade (IBGE,
2021). Assim,
a centralidade do cuidado na vida das mulheres é um fator
decisivo para compreender a gestão
do tempo, das prioridades e das escolhas
de vida. Além de dedicar um
número de horas maior às tarefas domésticas, são as mulheres que mais flexibilizam suas jornadas, fazem arranjos na carreira ou mesmo
são obrigadas a parar de trabalhar para cuidar dos filhos.
Segundo o IBGE, a presença de crianças
de até 3 anos na residência incide diretamente na participação das mulheres no mercado de trabalho, havendo, ainda, as variações das desigualdade em decorrência de questões de classe e raça. Entre mulheres pretas ou pardas, se registram os menores
níveis de ocupação
(menos de 50%) em comparação
ao índice de 62,2% registrado entre mulheres brancas. "Para aquelas
sem a presença de crianças nesta faixa etária, os percentuais foram de,
respectivamente, 63,0% e 72,8%" (IBGE, 2021: 3).
O trabalho remunerado e o doméstico passaram
a ser realizados de forma concomitante no período pandêmico,
e alguns arranjos
importantes foram necessários.
A relação mais intensa com a mídia durante a pandemia é parte deste
processo, pois provoca a reflexão sobre como as pessoas têm construído sentidos sobre o
que está acontecendo no seu
cotidiano e na sociedade. O isolamento
social, neste contexto, tende
a intensificar o papel mediador dos discursos midiáticos.
Desse modo, partimos do princípio
que "os aparatos de mídia no Brasil ocupam historicamente uma posição de destaque na constituição
do que é ser mãe" (Tomaz,
2015: 157). Ou seja: ao considerar a maternidade como uma construção social, é possível reconhecer que as formas
de maternar das mulheres brasileiras estão intimamente ligadas às construções sociais sugestionadas pelos mais
diferentes discursos hegemônicos, dentre
os quais está a mídia.
Ao refletir sobre a experiência vivida pelas famílias
no contexto da pandemia, Andrea O'Reilly (2020) faz duas observações que são fundamentais para a construção do nosso raciocínio: a primeira delas é que, no isolamento social,
existe uma desconexão entre
o que está sendo reportado na mídia sobre a pandemia e
o que tem acontecido nas residências. Os discursos científicos, governamentais
e de vários especialistas são
fundamentais para a compreensão
dos números de casos, riscos, formas de cuidado, controle do vírus, etc. A ênfase da mídia, contudo, pouco tem refletido sobre a sobrecarga e as consequências sofridas por quem se dedica ao trabalho do cuidado. Apesar da pandemia, o trabalho
materno continua invisível, desvalorizado e tomado
como certo (O'Reilly, 2020:
22).
Assim, a partir da provocação lançada por O'Reilly, de tornar visível o que é invisível, chegamos ao objetivo central deste texto, de analisar que práticas sociais de maternagem e representações de maternidade que
são produzidas pelos
discursos das mídias online no
Brasil, no contexto da pandemia de COVID-19. Para isso,
utilizamos a abordagem teórico-metodológica da Análise de Discurso Crítica, de Fairclough
(2016), que entende o discurso como um momento de toda prática
social. Partimos do pressuposto de que os sujeitos se valem das mídias como
um espaço discursivo
de representação
das identidades, relações sociais
e de sistemas de conhecimento e crença,
sobre a maternidade e a maternagem.
A
partir disso, dividimos o texto em
duas etapas. Na primeira, apresentamos conceitos e pressupostos dos estudos sobre maternidade e, na
segunda, descrevemos as etapas metodológicas e realizamos a Análise de Discurso
Crítica sobre práticas sociais
de maternagem e representações de maternidade
na mídia online no contexto da
pandemia.
2. Maternidade como opressão de gênero
A divisão sexual do trabalho e as
desigualdades provenientes dela estão
no centro do debate dos estudos de gênero há algumas
décadas e permanecem como tema em
destaque na atualidade,
tendo em vista a permanência da responsabilidade feminina no que diz respeito à esfera doméstica. Apesar
de invisibilizado e desvalorizado, o trabalho não remunerado que é executado pelas mulheres é
fundamental para sustentar o sistema econômico e
social que estrutura a sociedade.
A ideia de possuir uma habilidade para realizar satisfatoriamente múltiplas funções é comumente associada à maternidade como maneira de justificar, social e
culturalmente, que as mães não
só podem - como devem - atuar no mercado de trabalho de
forma produtiva e se responsabilizar pelas demandas práticas e emocionais da família de maneira contínua. É nesse sentido que Maria Collier de Mendonça (2014) retoma o conceito
de "maternagem intensiva", desenvolvido por
Sharon Hays (1996), para observar a ideologia que atende aos interesses capitalistas patriarcais da sociedade e promove uma poderosa estrutura social que apoia, dentre outras questões,
a escalada do trabalho não
remunerado desempenhado pelas mulheres.
Neste contexto, JaneMarree Maher (2004) reforça a necessidade de considerarmos a maternidade como um trabalho, que pode ser observado
desde a materialidade das trocas e tarefas (na maior parte das vezes invisibilizadas pelo valor do afeto
que carregam) até a ideia
de um estado de prontidão -
que torna o "ser mãe" um
exercício contínuo, que inclui tarefas práticas e emocionais.
Atribuir
à maternidade uma grande
carga de responsabilidades na qual as mulheres, e somente elas, precisam estar presentes o
tempo inteiro, faz com que
a realização de outras tarefas, como o trabalho
remunerado, seja quase impraticável. Para Maher (2004:
7, tradução nossa) "ao apelar para que as mães estejam presentes, instituímos um requisito impossível" e, com isso, se forma a culpa
materna. Para a autora, é fundamental reconhecermos
"as vivências de luta oferecidas por mulheres que são mães e, sobretudo,
as lutas daquelas que são mães de maneiras
e em contextos não tradicionais" (Maher, 2004:
8, tradução nossa). A exigência de que as mães estejam cada vez mais presentes
intelectual, emocional e fisicamente, está
relacionada com os conflitos
que as mulheres vivenciam
entre carreira e maternidade,
os quais foram exacerbados com o distanciamento social
vivenciado por famílias no mundo todo a partir de
2020.
Ao observar a sobrecarga materna no período da pandemia, O'Reilly (2020) afirma que estamos presenciando a intensificação da terceira
jornada e o surgimento da quarta
jornada de trabalho feminino.
O "terceiro turno", refere-se
ao trabalho emocional e
intelectual que as mães precisam
desempenhar para planejar rotinas, organizar práticas coletivas e negociar relações
internas e externas à família
com os vários agentes que fazem parte do processo de
cuidado com as crianças
(como médicos/as e professores/as). Esse conjunto de ações e atenções permanentes que são
demandadas às mães é
descrito por Sarah Ruddick como "maternal thinking"
(O'Reilly, Ruddick, 2009).
A
maternagem, desse modo, consiste em
práticas socialmente organizadas, algumas
mais visíveis nas ações do cuidado, outras de ordem mais subjetiva, que são associadas com as capacidades
cognitivas reconhecidas como inerentes
às mães (O'Reilly, Ruddick, 2009: 17).
Durante a pandemia, com a intensificação
da convivência familiar e com
tantas preocupações exigidas em
relação à saúde e ao bem-estar da família, é possível compreender o quanto esse cenário tornou
a maternagem um exercício mais exigente. Por outro lado, com o fechamento das escolas, o ensino remoto
doméstico se junta a essas múltiplas
jornadas femininas, dando espaço
para o que O'Reilly chama de "quarto turno". Para a autora, a carga de estresse se amplia ainda mais quando consideramos questões como a perda de renda ou emprego, sofrida
por grande parte da população mundial, ou a instabilidade financeira, habitacional e
alimentar que afeta muitas pessoas (O'Reilly, 2020).
Além das desigualdades que surgiram
nos âmbitos social e econômico,
tem-se também a desigualdade de gênero. Enquanto mídia, governo e organizações sociais têm o foco voltado para problemas
significativos de ordem de saúde
e econômica, as questões de
gênero têm sido
silenciadas, ou pelo menos minimizadas. Andrea O'Reilly reflete sobre essa invisibilidade: "A economia não está parada. Todas estão cozinhando, limpando e cuidando
dos seus entes próximos. Isso
só não é contabilizado
pelos economistas porque normalmente é realizado a partir do trabalho não remunerado das mulheres” (O'Reilly, 2020: 22, tradução nossa). Por que o trabalho materno não é reconhecido como serviço essencial? Pergunta a autora.
"Porque o trabalho materno não
conta” (p. 23).
Assim, partindo do princípio que mídia tem um papel que pode assumir
sentidos pedagógicos, políticos e sociais sobre a maternidade (Tomaz, 2015), sugerindo parâmetros, comportamentos e sendo baliza
para representações e ideais
a que estão submetidas mulheres/mães, entendemos ser
pertinente analisar de forma mais
aproximada como a mídia online no
Brasil tem refletido sobre
as demandas e desafios vividos no exercício
da maternagem durante a pandemia.
Para analisar os discursos sobre a maternidade
circulantes na mídia brasileira no período da pandemia, partimos da abordagem da Análise de Discurso
Crítica, na perspectiva de Fairclough (2016). Para
ele, texto, prática discursiva e prática
social são camadas interdependentes
do conceito de discurso.
As práticas sociais são formas relativamente estáveis de atividade social que estão enraizadas em estruturas sociais materiais concretas. As estruturas
sociais, por sua vez, são modos pelos quais o discurso
é moldado, restrito, ordenado. Por isso,
O discurso contribui
para a constituição de todas as
dimensões da estrutura
social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções,
como também relações,
identidades e instituições que lhe
são subjacentes. O discurso
é uma prática, não apenas de representação do
mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o
mundo em significado (Fairclough,
2016: 95).
Nesse sentido, a Análise de Discurso
Crítica dedica-se a estudar a relação
dialética entre discurso e sociedade,
observando os modos pelos quais a estrutura
social estabelece relações
de poder que se manifestam pelos discursos (Vieira,
Macedo, 2018). Por isso, essa
abordagem teórico-metodológica se propõe
a relacionar o uso da linguagem em
contextos específicos que envolvem desigualdades (Ramalho, Resende, 2011). Outra característica que demarca a especificidade
da Análise de Discurso Crítica é o engajamento social da pesquisa em
favor de pessoas/grupos historicamente
marginalizados. “O propósito das análises em ADC é, portanto, mapear conexões entre escolhas de atores
sociais ou grupos, em textos e eventos discursivos
específicos, e questões mais
amplas, de cunho social, envolvendo poder” (Ramalho, Resende, 2011: 21).
Fairclough (2016) se interessa,
especificamente, pelo discurso como prática política e ideológica, a fim
de entender como os discursos sociais estabelecem, mantêm ou transformam relações de poder pela linguagem.
Neste sentido, consideramos que, entre a estrutura (sistema semiótico) e o evento (os textos produzidos por indivíduos em situações concretas de comunicação), estão as práticas sociais de maternagem e
as representações sociais
de maternidade.
Essas práticas sociais
dizem respeito a aspectos
que se repetem e que, de alguma
forma, não se alteram, em relação ao
modo como agimos, interagimos,
representamos e identificamos a nós, aos outros e o mundo por meio da linguagem. Tais práticas podem
nos conduzir a processos de
naturalização, estabilizando uma
determinada hegemonia ou
contestando-a. Diante disso,
nos interessa identificar que práticas
sociais de maternagem fundamentam
as representações de maternidade
nos discursos das mídias online no
Brasil, no contexto da pandemia de COVID-19.
Consideramos
a importância das mídias online na construção dos processos de significação e o crescente consumo de Internet no Brasil para selecionar o material empírico. Segundo Iglesias-García e
Codina (2016), o consumo de notícias vêm passando por transformações desde o surgimento
da Internet; o que fez com
os buscadores se tornassem ferramentas
importantes para encontrar e acessar informações no espaço digital. Os autores apontam
que esses mecanismos de busca são
os principais recursos utilizados pelos internautas em países como o Brasil. Além disso, segundo os autores, cerca de 60% dos usuários permanecem na primeira página de resultados, o que atribui
maior relevância a esse conteúdo em
relação aos demais (Iglesias-García, Codina, 2016: 930).
Tendo essas questões
em mente, passamos à construção do corpus de
análise. O primeiro passo foi realizar uma busca com palavras-chave,
por meio da plataforma de buscas Google. Selecionamos uma
data aleatória, 14 de agosto de 2020, e realizamos a
busca com os termos "mães"
e "pandemia". Coletamos todos os resultados
da primeira página e chegamos
ao total de nove matérias. Destas, descartamos uma, que tinha acesso restrito
para assinantes Cohen y Hsu (2020). Assim, mantendo apenas o conteúdo de acesso gratuito para análise, o resultado foi um corpus de oito matérias online, conforme ilustramos na figura 1:
Figura 1 - corpus de análise
Fonte: elaboração
própria.
Selecionamos, após a leitura e reconhecimento do
material empírico, a categoria de intertextualidade
(Fairclough, 2016) e, a partir dela,
a representação no discurso e pressuposição
como tipos especiais de intertextualidade.
A representação no discurso é uma
forma de inserir diferentes vozes para produzir sentidos em um texto; o que pode ser feito,
por exemplo, de modo direto,
indireto ou diluindo as fronteiras entre a
voz do representador e as vozes
representadas (Fairclough, 2016).
A pressuposição, por sua vez, é
entendida como “proposições que são
tomadas pelo(a) produtor(a) do texto como já estabelecidas ou ‘dadas’” (Fairclough, 2016:
161). Diferente da representação de discurso, a pressuposição apresenta-se de
forma tácita e costuma “anular diferenças
entre a voz do/a locutor/a voz recontextualizada” (Ramalho, Resende, 2011: 134). Por
meio dessa categoria é possível mapear os
sentidos que são, de alguma
forma, naturalizados pelo/a autor/a, demonstrando sua posição ideológica no texto.
Por fim, à luz dessas categorias, formulamos perguntas-chave
para nortear a análise: que vozes
são incluídas ou excluídas para “falar” sobre maternidade na
pandemia? Quando as representações
direta e/ou indireta do discurso são
utilizadas, que sentidos são produzidos?
Que pressuposições são acionadas sobre os processos de
maternagem? Essas pressuposições
(incluindo os enunciados negativos) contestam ou reforçam
sentidos hegemônicos sobre maternidade?
Inicialmente,
para contextualizar as posições de sujeito-mãe construídas no
discurso das matérias, cabe destacar que metade delas não
apresenta questões interseccionais para discursivizar
as mães, generalizando a experiência
e as condições de maternagem. Do restante, dois veículos - Brasil de Fato e
BBC - abordam o recorte de classe
social; o UOL perpassa a desigualdade
de raça a partir da história
de vida de diferentes mulheres e, apenas o R7 dá visibilidade para as mães solo, enfatizando as relações
desiguais de classe, gênero e raça que as atravessam. A relação familiar, quando mencionada, trata, sobretudo,
do modelo heteronormativo, excluindo outros tipos de arranjo familiar,
como o homoafetivo.
Começamos a análise com uma primeira
leitura do material para compreender
o texto empírico em sua totalidade. Após, realizamos outras leituras para categorizar
as principais posições de sujeito-mãe. São elas: a) mães superpoderosas; b) mães trabalhadoras e; c) mães exaustas. Dentre as mídias online
que utilizam as vozes
das mães para construir seu
discurso, temos O Brasil de Fato (Souza, 2020), BBC (Idoeta, 2020), Universa (Martins, 2020) e R7 (Perez,
2020). Observamos que nas vozes
das mães estão presentes palavras que representam emoções negativas, como “preocupação”,
“estresse”, “depressiva”,
“cansada”, “pânico”, “frustração”
e “medo”:
[Trecho
1] Aumentou a minha preocupação e o estresse. Esse dinheiro do governo é muito incerto, eu sou desempregada
e estou perdendo a fé. O que me deixa mais triste é a situação do meu filho, eu tenho
pavor que falte algo pra ele (BBC News Brasil, 2008).
[Trecho
2] Sinto uma enorme culpa por não
dar atenção a ela, por
estar tão exausta a ponto de não
conseguir brincar mais, triste por perder este tempo que não vai ser recuperado. Mas quando o coronavírus chegou ao Brasil e em
março foi decretada a quarentena, foi um balde de água fria. Uma mistura de medo
e frustração (Universa,
2020).
[Trecho
3] Me sinto cansada.
Ser responsável pelo sustento do lar, provedora da casa, tudo isso ao mesmo
tempo e ainda sentir medo de ficar doente.
Tive um colapso de tensão,
chorava, fiquei muito triste. [...] Tive a sensação de que minha vida estava melhorando quando, de repente, me
senti caindo e com uma criança
no colo (R7, 2020).
As
mídias, ao acionarem as vozes das mães por meio do discurso direto com o uso de aspas, permitem aos leitores explorar aspectos da
maternidade no contexto da pandemia que estavam confinados à esfera privada. A representação
do discurso materno é trazida por relatos que expõem os contornos e detalhes da
vida das mães no isolamento
social. Alguns desses
relatos podem ser compreendidos
como formas de reivindicação, espaços
de disputa de sentidos sobre o maternar em tempos de
pandemia.
Dentre os efeitos de
sentido sobre as práticas de maternagem na pandemia,
podemos destacar o uso de recursos linguísticos, como
os advérbios de frequência.
Expressões como “todo dia”,
“o tempo todo” são formas de materializar, no
discurso, o quanto o trabalho
materno é perene e inacabado, sobretudo no contexto
da pandemia. Além disso, o
discurso direto das mães apresenta um encadeamento
de ações, com verbos no
presente, que produzem um
“ritmo” ao texto, reforçando
o sentido de uma maternagem intensiva. Em outros momentos, os verbos no passado indicam uma ruptura, formatando um antes e um depois
da pandemia.
[Trecho
4] Eu tive que vir para um lugar mais perto,
que é a casa do meu namorado.
Daí eu fico na semana no meu namorado
e volto
final de semana para minha casa, que fica a uma casa da casa da minha mãe. Daí
eu vou lá vejo ela, cuido dela, vou na feira, no mercado, porque praticamente
a família toda não está trabalhando, só eu” (Brasil de Fato, online).
[Trecho
5] Fico o
tempo todo dentro de casa com eles, acordamos e acompanhamos
as atividades da escola. À
tarde, fazemos
algumas brincadeiras, mas é
muito difícil segurar a ansiedade deles (R7, 2020).
Podemos
dizer, então, que os
relatos das mães, com a
marca linguística das aspas, funcionam
tanto para revelar experiências da condição materna na pandemia, quanto
para atribuir um efeito de
real, empenhado pelas mídias online. Ao mesmo
tempo, as vozes das mães imprimem uma força
de testemunho, evocam
sentidos dramatizantes. Questiona-se
se tal configuração discursiva serviria
para manter as mulheres-mães
em uma posição
que as essencializa como emotivas e frágeis, ou se diz respeito à possibilidade de, por meio das vozes maternas, darem visibilidade às suas práticas como um trabalho intenso, exaustivo, atravessado por processos de subjetividade, os quais constituem o que é a
maternagem.
A representação do discurso também
se estabelece pelas vozes
de especialistas, que, quando ocorrem,
são todas de mulheres. Via de regra, essas
vozes se concentram em um aspecto fundamental sobre a
maternidade: saúde mental. Essa discussão é encabeçada, sobretudo, pelas representações do discurso das psicólogas, mas também permeia as vozes de sociólogas, professoras,
pesquisadoras, economistas e
psiquiatras.
[Trecho
6] "Ajuda
eu ficar tensa ou reclamando? Isso muda alguma coisa?
Isso faz bem pra mim, para os meus filhos e para a minha família? Ou isso está sendo
desgastante e em vão? Precisamos nos perguntar o que
queremos ser"
A tentativa de concentrar e realizar todas essas atividades acabam gerando um sentimento de culpa, de acordo com
a especialista. “Nós
começamos o dia com a intenção de ser uma boa mãe, mas logo em seguida
estamos frustradas, porque não conseguimos dar atenção ao filho,
trabalhar e nos cuidar”, explicou
[a psicóloga] (A Gazeta, 2020).
[Trecho
7] Segundo a economista e principal autora do estudo,
Gema Zamarro, isso ocorre [maior desemprego entre mulheres] por diversos motivos: primeiro,
a crise de saúde atingiu setores que empregam mais mulheres,
como restaurantes e hotéis, levando a mais demissões; segundo, quando as escolas e creches fecharam e as ordens de distanciamento social dificultaram a ajuda de
familiares, as necessidades
de cuidar dos filhos aumentaram
(Galileu, 2020).
Diferente
do que é apresentado em Galileu (2020), os sentidos produzidos
em A Gazeta (Avilez, 2020), nos conduzem a uma perspectiva em que o discurso
midiático atua na tarefa de orientar as mães sobre
como lidar com a família no contexto da pandemia. Ainda
que a voz da psicóloga seja atribuída
ao gênero feminino, imprime-se um discurso
pedagógico, “didatizante”, que constrói
a posição de mãe a partir
de um lugar individualizado e
meritocrático.
A mãe é responsabilizada, de acordo
com a matéria, pela “casa arrumada”,
“alimentação saudável”, planejamento das atividades diárias, como também pelo manejo
do afeto (“vamos aproveitar
esse tempo que estamos mais
juntos com os nossos filhos. Fazer com
que esse momento seja de interação e de criação de
vínculos fortes”, diz a
psicóloga em A Gazeta). Além de realizar o trabalho do
cuidado do ambiente doméstico e da família,
a especialista ainda indica à mãe
“cuidar de si própria”.
Esses arranjos de sentidos remetem a determinados pressupostos
ideológicos que, segundo O’Reilly (2013), sustentam uma opressão
feminina, como a maternidade
essencializante, privatizada e individualizada que naturalizam um ideal materno inatingível. Ou seja, ao invés
de abordar a discussão sobre as causas da “culpa”, “frustração”, “mulheres sobrecarregadas e exaustas psicologicamente”, apresentam-se
formas de gerir as consequências
da sua responsabilização
pelo trabalho reprodutivo
na esfera doméstica. Outra evidência
intertextual está no enunciado “Uma dica extra para a família” em que a psicóloga orienta a família
a “cuidar de quem cuida de vocês”.
E complementa: “Para ela, este talvez seja o que chamou, brincando, de
o “grande convite da Covid” (A Gazeta, 2020).
Perspectiva
semelhante é representada pelo discurso de O Tempo (Sapia, 2020), ao construir um paralelo entre passado e
presente para comparar as formas de maternagem. O passado,
sob uma posição
hegemônica, arregimenta os
sentidos de uma maternidade
intensiva (Hays, 1996), que estrutura
relações de poder desiguais
sobre o trabalho remunerado ou
não das mulheres. Já o presente está relacionado ao
contexto em que as mães estão em isolamento
social devido à pandemia. Os enunciados (em um texto opinativo
- vale dizer), pressupõem
que as mães fizeram a escolha de ter um trabalho remunerado e, por isso, tiveram que abrir mão de sua “missão” como mulheres: ser mães. Com a inserção das mulheres no mercado de trabalho,
as mães têm de escolher, segundo o texto, entre carreira
e filhos:
[Trecho
8] No ano passado, no Dia
das Mães, uma pesquisa apontou que o maior desejo delas para 2020
era passar mais tempo com os filhos, não ter que escolher entre eles e
a carreira e sofrer menos cobrança por perfeição. Chegou 2020 e, como em uma mágica, o desejo foi realizado – pelo
menos o de ficar mais tempo
com os filhos. As mães se viram em
um tremendo
dilema: se, antes, elas diziam
sobre a dificuldade de ter de escolher entre carreira e filhos,
foram praticamente obrigadas a conviver em pé de igualdade
com os dois e viram que é perfeitamente possível (O Tempo, 2020).
O texto
silencia toda a problemática que envolve a pandemia e
o debate sobre os modos de organização da vida sob os cuidados das mulheres, sobretudo, das mães. Tal construção discursiva corrobora, novamente,
os sentidos de uma maternidade
naturalizante (O’Reilly,
2013) e onipresente das mães.
Desse modo, enquanto os demais textos utilizam-se do
recurso da comparação para discursivizar
sobre os impactos negativos da pandemia na vida das mães,
em O Tempo, este recurso é usado para deslegitimar o
papel das mães trabalhadoras,
questionando sua competência para assumir as
responsabilidades não somente
com os filhos, mas da “carreira”, “marido” e “casa”, concomitantemente.
Segundo
o texto, “se, antes, elas diziam
sobre a dificuldade de ter de escolher
entre carreira e filhos, foram praticamente obrigadas a conviver em pé de igualdade
com os dois e viram que é perfeitamente possível” (O Tempo, 2020). Isso naturaliza a condição das mães no trabalho do cuidado, construindo uma feminização do cuidado (Araújo,
Scalon, 2005), manifestada pela marca intertextual de
pressuposição.
Relacionamos
essa construção de sentidos
com a reflexão de O’Reilly (2020) sobre os tipos de trabalho
desenvolvidos pelas mães.
Segundo a autora, o contexto da pandemia é um modo
particular de explorar o trabalho emocional e
intelectual das mães, que não
é contabilizado, ou pelo menos problematizado, pelas
pesquisas da divisão sexual do trabalho.
Foi exatamente isso que observamos nas vozes dos institutos de pesquisa ou
das organizações de pesquisa citadas pelas mídias online:
[Trecho
9] De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o percentual de domicílios
comandados por mulheres saltou
de 25%, em 1995, para 45%, em
2018, principalmente em decorrência
do crescimento da participação
feminina no mercado de trabalho.
No entanto, durante a pandemia, com a suspensão
do funcionamento de creches
em todo o país, mães acumulam funções
dentro de casa e cumprem uma
jornada exaustiva em cômodos apertados para seguir o isolamento social (R7, 2020).
[Trecho
10] De acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS), as mulheres
são o grupo mais vulnerável a problemas de saúde
mental durante a pandemia da covid-19.
E qual o papel dos parceiros para minimizar a sobrecarga feminina,
agravada pela pandemia? Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), enquanto 91% das mulheres afirmam fazer tarefas
domésticas, apenas 55% dos homens dizem
que cuidam do lar. São atividades
como arrumar ou limpar a
casa, cozinhar ou preparar
alimentos, passar roupa,
lavar roupa ou louça, cuidar de filhos ou pessoas idosas,
dentre outras (Medicina
UFMG, 2020).
Utilizando-se
dessas fontes em discurso indireto, as mídias online embaralham
o seu posicionamento
ideológico com os dados dessas
pesquisas e, ao mesmo
tempo, criam um efeito de distanciamento. O que
pode ser uma forma de embasar
o enfoque dado pelas mídias em relação
à maternagem na pandemia, já que o discurso
científico possui legitimidade
social e é capaz de produzir efeitos
de objetividade e neutralidade.
Dessa forma, as pesquisas sobre divisão
sexual do trabalho subsidiam
os relatos das mães, equilibrando o texto entre vozes objetivas e subjetivas,
entre as esferas pública e privada, entre as vozes da
mídia (que confunde-se com a dos institutos de
pesquisa) e das mães.
O trabalho doméstico não realizado
pelos homens aparece, na superfície
textual, como pressuposto para construir
discursivamente as mães como “preocupadas”, “exaustas”, "frustradas", “no limite” e que precisam atender a demandas profissionais,
financeiras e emocionais,
intensificadas com a pandemia. "Nesse contexto, o acesso das mulheres ao trabalho
pago permanece condicionado pela domesticidade de suas relações,
como se fosse uma dimensão exterior
às suas vidas" (Araújo, Scalon, 2005: 19 - grifos
das autoras).
As práticas discursivas de maternagem estão
ligadas aos modos como se configuram
as esferas pública e privada sob
o modelo da maternidade patriarcal (O’Reilly, 2013). Quando as mulheres ocupam o mercado de trabalho, esse modelo não se desestrutura, pelo contrário, se reorganiza e faz
coexistir - de forma desigual - as atividades
remuneradas e não remuneradas. Dentre
os papéis atribuídos às mulheres, evidencia-se o de “ser mãe”:
um lugar naturalizado e generificado
que sustenta o tecido social. As mídias online produzem,
portanto, sentidos associados
à posição das mães no
discurso como agentes de resiliência que, mesmo com medo e com a saúde mental comprometida, honram suas responsabilidade
com a tríade filhos-casa-trabalho. Há uma relação
de poder desigual que é representada, no texto, pela combinação
dos dados quantitativos com
expressões lexicais que enunciam um contraste de posições tanto sociais quanto discursivas.
A rotina das famílias e, em específico,
das mães, foi ressignificada por noções de
tempo e espaço reconfigurados pela pandemia de
COVID-19, especialmente pela perda de suas redes de apoio. Alguns termos do vocabulário das
mídias online nos permitem
inferir que essa reconfiguração
de tempo e espaço se deu em virtude de um
aumento no trabalho das mulheres,
bem como dos efeitos das
jornadas exaustivas. Alguns
exemplos são: “afazeres domésticos e cuidados”; “desemprego e sofrimento
psicológico"; “jornada exaustiva”; “saúde mental”; “sobrecarga feminina”
e “abismo na divisão de tarefas
não remuneradas”. De modo geral,
enquanto nas mídias apresentadas anteriormente (especialmente no Brasil de Fato
e R7) essas características possuem
efeito de contestação, em O Tempo e A Gazeta,
visualizamos uma forma de manutenção
das relações de poder desiguais
entre mulheres-mães e homens.
O trabalho é refletido por Araújo e Scalon (2005) por
diferentes prismas: realização pessoal,
necessidade econômica ou elemento central das identidades. Essas
definições podem ser apropriadas para pensar o trabalho
reprodutivo, materno e não
remunerado das mulheres, uma
vez que alguns trechos representam-no
como constitutivo da identidade das mulheres e como uma realização pessoal.
[Trecho
11] A solução
para esse sentimento de
precisar de 36 horas por dia no período em que, justamente,
nunca passamos
tanto tempo em casa são
basicamente dois: calma e prioridades. “É possível ficar calma, desde que sigamos algumas
dicas práticas e flexibilizemos as nossas
demandas”, adiantou Adriana (A Gazeta,
2020).
[Trecho
12] [...] Mas tudo
acaba sendo um detalhe perto de realizar o sonho de ser mãe (Universa, 2020).
O primeiro fragmento favorece uma dissimulação da relação hierárquica e desigual que se estabelece
entre mulheres e homens no trabalho do cuidado. Os efeitos ideacionais (Fairclough, 2016) conectam-se aos valores de uma cultura patriarcal que oprime as mulheres
pelos pressupostos da essencialização,
individualização e naturalização
(O’Reilly, 2013). Os arranjos
de significados construídos pelos textos quando “falam” sobre o trabalho doméstico, não
remunerado ou de atividades
relacionadas ao cuidado, não
os consideram, de fato, um trabalho equiparado ao trabalho remunerado.
Ao pensar a maternidade como um ofício, Maher
(2004) desnaturaliza o lugar das mulheres como sujeitos reprodutores e
mantenedores da ordem familiar. Esse
lugar-comum que as mães ocupam historicamente e que estruturam suas identidades sociais, apresenta-se na superfície dos textos das mídias online tanto em enunciados que expressam “culpa”,
quanto nos que dizem que “a
mulher precisa dar conta e
estar disponível em tempo
integral”, além de se responsabilizar pelo “trabalho exaustivo e invisível de cuidar da casa e dos filhos”
(BBC, 2020). Esse estado de permanente prontidão,
que encarcera as mulheres em jornadas quádruplas de trabalho, serve para a manutenção de relações de poder desiguais. A invisibilidade do trabalho materno demonstra que a maternidade e as práticas de
maternagem carecem de reconhecimento
e de um olhar crítico capaz
de transformar a ordem discursiva vigente.
5. Considerações Finais
A
partir de um recorte de oito
matérias, analisamos, pela categoria intertextualidade, as práticas de maternagem que fundamentam
as representações de maternidade.
Diante disso, consideramos
que há uma singularização das responsabilidades relacionadas às esferas afetiva e econômica sobre as mães e, com isso, percebe-se que compete
a essas mulheres o trabalho produtivo e não reprodutivo; o que inclui, também, o trabalho mental de planejar e
organizar as atividades diárias
da casa e dos filhos. Em consequência da intensa responsabilidade que recai sobre
as mulheres-mães, os textos das mídias online são povoados de sentidos que colocam
as mães em uma posição de vulnerabilidade e que são expressos por narrativas subjetivas, comumente
representadas pelo discurso direto dessas mães.
A representação da pandemia se dá
pela construção discursiva de um
inimigo - o vírus - em que o medo, culpa, frustração,
estresse, cansaço, entre outros termos que expressam emoções negativas, são associados à posição que as mães assumem nos textos. Ou seja, refere-se aos modos como as mães são identificadas no discurso e
sobre as relações sociais
que se estabelecem entre o texto e os/as leitores/as. Percebemos que a
pandemia não é desenhada sob contornos histórico-políticos, o que provoca um certo esvaziamento
sobre a responsabilização de outros
atores que também fazem
parte desse cenário.
De certa forma, tal perspectiva oportuniza
a visibilidade sobre a maternidade
no contexto da pandemia, apontando seus desafios, dificuldades e problemas. Entretanto, embora
evidenciem os efeitos da
sobrecarga feminina durante a pandemia, os textos não responsabilizam nem questionam o porquê das mulheres serem as mais vulneráveis
a problemas de ordem psicológica, por exemplo.
Cabe
nos questionarmos até que ponto tais
narrativas, carregadas de apelo emocional, não deslizam os sentidos para uma associação das mães a um lugar de sensibilidade, de fragilidade e
de naturalização do cuidado sob
o qual, historicamente, foram subjugadas. Isso nos leva a outro ponto: a combinação dessas significações sobre maternidade
indica a existência de práticas
de desigualdade de gênero,
as quais tornam as práticas de maternagem exclusivas e inerentemente
atribuídas às mulheres, silenciando a função da
paternidade. A qual só é mencionada (quando é) nos textos
sob a ancoragem de
enunciados que pressupõem o protagonismo das mães no trabalho exaustivo do cuidado.
Coexistem nos textos, ainda,
núcleos de sentidos que expressam diferentes tipos de
opressão materna que foram
intensificados na pandemia. Questionamentos que
consideramos fundamentais para construir vias de resistência sobre a representação hegemônica de maternidade e para refletir sobre
a rede de práticas que envolve
a opressão materna.
Ademais, é preciso reforçar
que a pandemia de COVID-19 não acabou
e que a situação analisada
é um fragmento de um cenário com consequências
imprevisíveis. Consideramos que a pandemia serviu para escancarar e
intensificar desigualdades já existentes,
especialmente de gênero, de raça
e de classe, e que os estudos
sobre maternidade têm um papel relevante a cumprir ao registrar esse momento e reivindicar transformações capazes de desestabilizar a maternidade
hegemônica.
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[1] É importante
contextualizar que o Brasil é o segundo país com mais mortes por Covid-19 no
mundo, ficando atrás apenas dos EUA. Dados atualizados pelo Consórcio Nacional
de Secretários de Saúde indicam que, em 30 de maio de 2023, o total de mortos
pelo vírus no país chegava a 702.907 pessoas (CONASS: 2023). As dificuldades
vividas pela população brasileira durante o período da pandemia foram
significativamente agravadas tendo em vista a falta de gerenciamento
responsável por parte do governo federal que, além de não estabelecer com
agilidade uma política clara e eficiente para combate a disseminação do vírus,
tinha na figura do próprio presidente da República alguém que relativizava a
gravidade da doença, descredibilizava os dados científicas e se posicionava
abertamente contra o uso de vacinas.
Para a Organização Mundial de Saúde, a desinformação e a disseminação de
informações que contrariam o conhecimento científico podem afetar diretamente a
resposta à crise sanitária. A infomedia (como
designou a OMS) no Brasil se fortaleceu pela falta de acesso claro à informação
por parte do governo e pelas falas do então presidente Jair Bolsonaro, tendo
uma das consequências o aumento da hesitação vacinal por parte da população (Galhardi et al.:
2023)
[2] O IBGE é uma entidade
do governo brasileiro, vinculado ao Ministério do Planejamento e Orçamento que
se “constitui no principal provedor de dados e
informações do País, que atendem às necessidades dos mais diversos segmentos da
sociedade civil, bem como dos órgãos das esferas governamentais federal,
estadual e municipal” Disponible en: www.ibge.gov.br
[20/06/2023].